Se eu tivesse a coragem de escrever uma carta a mim mesma, eu acho que teria tanta coisa para dizer que o próprio papel seria tão fino que não chegaria para a força da caneta. Inicialmente e calmamente, daria inicio com um "Querida Zayla,..." e umas quantas frases balelas para ganhar a minha confiança pois tenho 100% de certeza que, se não fosse assim, pegaria na carta e a deitaria fora num instante. Há coisas internas que evitamos estudar, ler ao pormenor. Depois dos "Espero que esteja tudo bem contigo..." e uma conversa de treta sobre o tempo e o espaço, passaria ao que realmente interessa e rezaria para ler até ao fim.
Diria para ser eu própria neste ano novo que estamos. Pedia-me que parasse de sofrer com o que um dia sofri, para parar de abrir feridas na minha alma só porque um dia ela sangrou, que já chega deste destino trágico a que me agarro sempre, que parasse de me render ao mau que a vida me dá e agarrasse mais vezes o bom. Diria também a mim mesma que hoje entendo que não soube estancar a ferida e muitas vezes a deixei aberta por opção própria, escolhi sofrer por uma dor em certas partes evitável. Diria-me que a luz que tenho em mim, tenta sair lentamente pelas fendas criadas no meu coração partido e que, só porque eu não a vejo, não significa que não exista. Que tem dias em que a luz é calorosa como um abraço apertado de um amigo e há dias em que se torna tão pequena que só me resta manter a calma na escuridão e acreditar que vai passar. Diria-me que tenho átomos dentro de mim alinhados para fazer de mim uma coisa bela, e que, como as estrelas, uma constelação feita de mim seria magnifica. E quem sabe, as estrelas não sejam minhas? Que não há ninguém como eu, mas que isso não me faz melhor do que ninguém. Que saí defeituosa em muitos aspetos e tão aperfeiçoada noutros. Diria para não me preocupar com atitudes alheias ao meu redor, que o que os outros fazem é sobre eles, nunca foi sobre mim. Depois talvez tivesse coragem para me pedir para sair dos ambientes negativos e dramáticos, para me puxar para cima onde consigo ver a tona da água porque ultimamente ando a nadar no fundo do oceano. Diria para acreditar mais em mim e na minha inutilidade, porque até quando sou inútil, o mundo ganha em me ter. Sou parte deste universo e tenho que confiar que a natureza sabe o que está a fazer. Porque um dia deitei-me na estrada à frente da minha casa de férias e junto do alcatrão que emanava uma sensação quente, ao ver as ondas de calor do verão e a ouvir as ondas do mar que naquele dia, não estavam revoltadas, juro que senti conexão com algo maior, maior do que eu e do que todos nós. Diria para acreditar nisto, acreditar que sou parte deste universo e que ele nunca se esquece de mim. Depois diria a mim mesma para amar muito porque enquanto escritora, ou pessoa que escreve, tudo o que eu amo se torna eterno, porque um dia tudo irá e estas palavras ficarão para quem as quiser ler, e sobre quem ou o que eu escrever, não faltarão páginas e portanto, talvez diria a mim mesma que é uma sorte amar sendo poeta e é uma sorte ser amado por um poeta (se é que me posso intitular disso). Por fim acabaria com "Sempre tua, Zayla" porque houve dias em que só soube ser dos outros, perdi-me de mim. Este ano gostaria de ser sempre minha, com todos os defeitos e qualidades que uma alma pode ter. E a minha... bem, é linda.
Para quem me lê, que se algum momento acharem que esta carta pode ser vossa, será. Porque a escrita é bonita o suficiente para ser de todos. Voltem aqui, sempre que precisarem.